Ricardo Silveira, presidente da Abic: “Começamos o ano bem pessimistas e estamos terminando um pouco menos”

Não foi só o clima quente e ensolarado da Bahia que fez os executivos das indústrias de café adotarem uma postura mais relaxada, trocando os ternos pelas bermudas nos últimos dias. As perspectivas para o setor voltaram a ter um tom levemente otimista depois de um ano em que as margens das indústrias estiveram apertadas diante da queda dos preços do grão e da disputa acirrada nas gôndolas.

“Começamos o ano bem pessimistas e estamos terminando um pouco menos. O consumo ainda não vai repetir o do ano passado, mas será maior do que inicialmente estávamos esperando”, afirmou o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Café (Abic), Ricardo Silveira, durante o 27 Encontro Nacional da Indústria de Café (Encafé), realizado na ilha de Comandatuba, no litoral baiano.

No evento, que ocorre até amanhã, a consultoria Euromonitor divulgou projeções que corroboram o sentimento. O consumo de café no Brasil deve somar 1,2 milhão de toneladas em 2019 — o equivalente a 25 milhões de sacas de 48 quilos —, aumento de 3,8% ante o ano passado. O faturamento do setor deve somar R$ 26,3 bilhões, aumento de 11,7%. “Em um ano o Brasil cresceu o equivalente às vendas do México”, destacou Angélica Salado, gerente de pesquisa da Euromonitor no Brasil.

O crescimento projetado pela Euromonitor está em linha com a perspectiva da Abic. “Voltamos a estar otimistas pois os preços durante a colheita se mantiveram nos mesmos níveis do ano passado, o que ajuda bastante do ponto de vista de margens, e o frio acima do esperado estimulou o consumo”, explicou Silveira, da Abic.

Carro-chefe do mercado brasileiro, o café torrado e moído deve encerrar 2019 com consumo de 930 mil toneladas, o equivalente a 79% do mercado brasileiro ou 683 xícaras consumidas no ano.

No entanto, até 2024, o consumo deve recuar para 77%, com esse tipo de produto abrindo espaço a outros segmentos. Segundo mais consumido no país, o café em grãos deve alcançar 213 mil toneladas, e responder por 18% do mercado, assumindo o posto de “queridinho do mercado”, que até pouco tempo era das cápsulas, segundo as projeções da Euromonitor.

“Em diferentes pontos de venda já é possível pedir para o grão ser moído na hora. Então, a questão de ter um moedor em casa deixa de ser uma barreira para o consumo do produto”, avaliou Angélica. Ela acredita que o café em grãos é o que tem mais espaço para crescer em termos de preços. “Hoje o consumidor entende que o café mais puro e sofisticado, por conta do ritual de preparação, é o em grãos”, acrescentou ela.

Grande aposta do mercado até pouco tempo, o café em cápsula enfrenta desafios. De acordo com a gerente da Euromonitor, o “costume” de vender máquinas com promoções agressivas, oferecendo um “volume absurdo” de cápsulas, faz com que os consumidores do país demorem muito a voltar a buscar o produto no varejo. “Quando isso acontece ele já perdeu a animação em relação à novidade e reconquistar esse consumidor é muito difícil”, afirmou, citando que também há exemplos positivos, como o clube de assinaturas da Nespresso, da Nestlé. “Dessa forma, a empresa estimula o consumidor a experimentar novos sabores e tem um consumo mais consistente”.

De maneira geral, o ritmo do consumo de café no país deve evoluir gradualmente, acompanhando a recuperação da economia. Uma melhora mais sustentada do mercado deve ocorrer mesmo em 2021, de acordo com o economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio-fundador da consultoria MB Agro.

“Muito lentamente estamos caminhando para um processo que nos levará a uma recuperação sustentada do crescimento. O ano que vem já será um pouco melhor, mas é em 2021 que teremos uma melhora [consistente] do mercado interno”, acrescentou o economista.

Angélica, da Euromonitor, concordou com a avaliação. Para ela, a tendência é que ocorra uma aceleração das vendas da bebida no varejo a partir de 2021, para algo torno de 3% a 3,5% ao ano. “Considerando o tamanho e a maturidade do mercado, 3% é um crescimento altíssimo”, avaliou.

Segundo ela, o crescimento será perceptível principalmente no mercado de café em grãos. “O mercado de café como um todo passou quase que ileso pela crise se comparado com outras categorias em que a queda foi de dois dígitos em volume, como néctares e energéticos. O café praticamente não sentiu a crise”, recordou Angélica.

Durante o Encafé, Mendonça de Barros ponderou que, além da perspectiva de aumento de consumo a partir de 2021, os preços da matéria-prima não devem subir muito, uma vez que a oferta tende a seguir elevada. A perspectiva da Organização Internacional do Café (OIC) , de déficit de 502 mil sacas em 2019/20, ainda é pequena perto das 3,6 milhões de sacas de excedentes na temporada 2018/19, apontou.

“Um clima melhor tira essa diferença. Além disso, a sinalização de abandono de áreas em função dos preços menores não se concretizou e as áreas de produção estão aumentando — o plantio em área nova é muito mais produtivo”, afirmou o economista.

Segundo ele, a faixa normal de produção brasileira está em 50 milhões de sacas, ante 40 milhões até pouco tempo atrás. “A indústria não terá pressão de matéria-prima nos próximos anos. Vai demorar para isso acontecer. Se melhora a demanda final e a matéria-prima continua em baixa, a margem vai aumentar”.