Instabilidade. Essa é a palavra que resume o mercado de café nos últimos anos. Com problemas que vão do campo à xícara, os preços nos terminais de Nova York e Londres continuam registrando um "sobe e desce" constante. O Brasil tem hoje 35 origens produtoras de café e em todas as regiões o cenário é o mesmo: Produtor retraído, ritmo lento de negócios e uma grande incerteza em relação à safra de 2024. Nem mesmo os produtores do sistema "fairtrade", que têm entre 20 e 25% de valor agregado tem participado ativamente do mercado. 

Em Divinolândia/SP, importante região produtora de cafés especiais e com valor agregado, o mercado segue a passos lentos. De acordo com Francisco Sérgio Lange, muitos são os motivos que travam o produtor neste momento. As novas regras de importação da União Europeia, as incertezas climáticas e o mercado instável justificam o produtor da região participando a medida que precisa fazer caixa. 

"Nosso produtor tem conhecimento de mercado, fica esperando a alta pois está mais capitalizado, portanto está aguardando. Como nosso cafés são certificados e de qualidade, a gente tem um armazém de preparado, ele consegue segurar por um tempo maior", afirma. 

Café em Divinolandia (3)
Lavouras de café em Divinolândia/SP
Foto: Francisco Sérgio Lange

Em Andradas, Minas Gerais, os produtores que fazem parte do sistema fairtrade também participam menos do mercado. "Nosso café alcança algum valor agregado, mas mesmo assim os produtores estão cautelosos em vender. O clima traz muita incerteza, viu-se chumbinho caindo, agora está em fase de enchimento, voltou a chover, mas só vai saber na hora que colher e beneficiar esse café e isso traz muita incerteza, então os produtores realmente estão cautelosos até porque os preços poderiam estar um pouco melhor porque o custo de produção subiu muito", afirma o produtor Sebastião Donizete Benevene. 

Após as altas temperaturas dos últimos meses associada às chuvas irregulares, o produtor aguarda por preços mais atrativos na hora de fechar negócio. Em Nova York, no entanto, o mercado ainda opera com a expectativa de uma safra mais chega do Brasil em 2024. Por aqui, existe um certo consenso de que o país poderá produzir mais, mas ainda longe de todo o potencial diante das intempéries climáticas. 

"O produtor está na esperança, especulando que o mercado ainda vai ter uma alta. Está vendendo só o necessário que precisa para pagar suas contas no curto prazo e está segurando café. É uma ação especulativa, de pensar que o mercado pode perceber que não vai se produzir tanto assim", relata o produtor Rafael Stefanini, da região de Franca/SP.

Na região de Nova Resende/MG, o produtor estava mais ativo até o mês de setembro, quando precisava quitar as contas e se preparar para o próximo ciclo. O período, no entanto, foi marcado pela irregularidade na florada e pressão no preços ao mesmo tempo. Apesar do retorno das chuvas, o produtor Ronaldo Cardoso afirma que o mês de janeiro ainda foi de temperaturas elevadas. 

"São três anos de problemas e a planta responde isso. O crescimento da planta para 2025 não está positivo, o cenário é complexo, a colheita da safra 23 foi pelo menos 20% mais cara. Alguns produtores ainda têm café para negociar e são bons cafés, para guardar esse café o mercado precisa bancar, então são bons cafés", comentaa Ronaldo Cardoso. 

Nova Resende
Queda de chumbinho registrada em Nova Resende/MG
Foto: Ronaldo Cardoso

No Cerrado Mineiro o cenário é o mesmo. A região também tenta se recuperar dos problemas dos últimos anos e o volume na safra 23 até surpreendeu, mas o produtor prefere aguardar para vender. "Estamos vendo essa fumaça no mundo. Ninguém consegue enxergar muita coisa no longo prazo. O mercado é muito técnico e financeiro, enquanto o produtor levou muita pancada nos últimos anos e tenta uma recuperação. Nessas últimas semanas o produtor do Cerrado tem participado mais, mas as condições climáticas ainda assustam e trazem cautela", afirma Francisco Sérgio de Assis produtor referência na região. 

Juan Travain, produtor de robusta amazônico e presidente da Caferon em Rondônia, classifica o momento como uma "queda de braço" em produtores e mercado. Mesmo os produtores tecnificados, com café de qualidade e que garantem um valor agregado também escolhem aguardar preços mais atrativo. 

"Quem ainda tem café está aguardando o desfecho de melhores preços. O produtor está vendo o sofrimento pelas questões ambientais, com isso tentando precificar essa situação", afirma Juan, mencionando ainda os problemas de falta de chuva, altas temperaturas, além de mencionar os problemas com cochonilhas que estão sendo registrados em algumas áreas de produção. 

 "Outra situação também é a abundância de informações. Hoje o produtor se questiona porque pagam melhor para outros países e não para o Brasil, sendo que o café está saindo do Brasil e indo para outras regiões para "esquentar" e ser vendido como diferencial? Também é algo que estamos vendo muito ultimamente", afirma. O presidente destaca ainda que a qualidade desses cafés ainda disponíveis são de mediana para alta, já que o produtor tem o costume de vender os inferiores primeiro para custear a colheita. 

Os analistas apontam que o produtor deve se manter retraído até pelo menos o mês de abril, quando o mercado volta a ser pressionado pelo início da colheita. 

Na análise de Gil Barabach, da Safras & Mercado o produtor está trabalhando com cautela, mas encontra certo equilíbrio com a ponta compradora. "Ainda tem muito café na mão do produtor para esse período do ano, mas tem um pouco mais de fluxo. O que tem atrapalhado a venda é essa volatilidade alta. O produtor está esperando para ver", afirma o analista.

Acredita que enquanto o mercado não encontrar sua definição, o cenário não deve mudar. Com relação à safra nova, o analista enxerga pouco interesse neste momento, com fluxo de vendas bem abaixo do habitual. "A gente não vê nem nas regiões mais tradicionais tanta agitação. O mercado invertido lá fora, bastante café remanescente na mão e isso tem tirado o interesse de fluxo com venda futura", afirma. 

Foto_CNA_Saca_Cafe

As cooperativas confirmam a participação mais lenta do produtor. Na Minasul, cooperativa que atende no sul de Minas Gerais, por exemplo, atualmente os produtores ainda têm em mãos 25% da safra 23 ainda para negociar e 85% da safra 24 para comercializar. 

"O mercado sempre dá oportunidades e o produtor tem participado, mas com muita cautela, vendendo somente o necessário para custeio da atividade. No mercado futuro, pequenas quantidades de acordo com a necessidade do barter dos insumos. Nos últimos anos, com as dificuldades climáticas enfrentadas os produtores ficam preocupados em comercializar volumes maiores e por isso estão indo mais devagar. Em abril já temos inicio da safra 24 e vamos ver o real reflexo das ondas de calor que enfrentamos", afirmam os traders da Minasul, Francine Silva e Heberson Vilas Boas Sastre.  

Na região de atuação da Cocapec, na Alta Mogiana, o produtor tem aguardado preços na casa dos R$ 1.000,00 livre para fechar novos negócios. "O produtor está sendo estratégico e está fazendo isso bem. Realmente participa bem menos, está menos animado, mas quando tem a alta ele participa", afirma Willian Freiria, Gerente Comercial da Cocapec. 

Na área de atuação da cooperativa o produtor ainda tem entre 25 e 30% de café em mãos para negociação. O volume, de acordo com o William, fica acima do observado nos últimos anos, confirmando o momento de retração. 

Já no caso do conilon, a participação do produtor é mais expressiva já que os problemas na Ásia têm mantido os preços em alta no terminal de Londres. Luiz Carlos Bastianello, presidente da Cooabriel, afirma que o momento continua sendo favorável e o produtor tem tido boas escolhas na hora de fechar negócio. "O fluxo de venda em janeiro foi maior e o produtor ainda tem café padrão tipo 7 para comercializar. O momento é bom, mas tem os dias de exceção, se o preço se manter, o ritmo vai continuar sendo de boas vendas", afirma. 

CEPEA 

Levantamentos do Cepea mostram que o mercado interno de café avança janeiro em ritmo lento. No caso do arábica, mesmo diante dos altos patamares de preços – a variedade voltou a ser negociada acima dos R$ 1.000/saca de 60 kg –, muitos produtores têm se mantido afastados, à espera de valores maiores, conforme indicam pesquisadores do Cepea. Para o robusta, a baixa oferta no spot nacional (devido à quebra da safra 2023/24) explica a retração vendedora, ainda que haja uma alta procura de exportadores pela variedade. 

 

Por: Virgínia Alves
Fonte: Notícias Agrícolas