Escrevo este artigo, com muita honra, com dois craques do mundo do café: Luiz Suplicy Hafers e Rodrigo Corrêa da Costa. O que se segue é fruto de muita prosa.

O consumo de café evoluiu acima do crescimento populacional até a crise internacional, principalmente em função dos mercados emergentes que ganharam o gosto pela bebida "sofisticada". Não há dúvida que o rejuvenescimento da bebida, que em muito se deve ao surgimento e explosão da Starbucks, cativou um universo de consumidores mais jovens, contribuindo não apenas para taxas maiores do aumento do consumo, mas, talvez mais importante, para criar e manter o hábito de tomar café desde cedo.

Nos países onde a bebida faz parte da cultura, há quem diga que também houve um aumento durante o pico do stress do mercado financeiro, alguns citando a questão de maior ansiedade e a necessidade de as pessoas estarem alertas.

Com a recessão que se abateu sobre a Europa e vários outros países, juntamente com o arrefecimento da economia global e os preços da Bolsa de Nova York (onde se negocia a variedade arábica) atingindo quase 310 centavos por libra/peso em 3 de maio de 2011 (o maior patamar em 35 anos), foi desencadeada uma rápida mudança na composição dos "blends", dado que as torrefadoras passaram a ter dificuldades em continuar repassando os aumentos de preço no varejo.

Um receio que sempre se ouviu entre os profissionais do setor era do quão limitado seria o uso do robusta nos blends por causa da concentração maior de cafeína e do seu gosto de menor "personalidade". Entretanto, o Vietnã batendo recordes de produção e exportação, a queda de produção na Colômbia e uma melhora na produção e trato do robusta fizeram com que os departamentos de pesquisa da indústria buscassem utilizar mais robusta em detrimento do arábica.

Para a surpresa de muitos, a aceitação do consumidor foi boa, pouco alterando seus costumes, talvez por causa do fato de a grande maioria tomar café com leite e açúcar, o que naturalmente diminui a sensibilidade de discernimento do que se ingere. Ademais, muitas pessoas passaram a consumir menos café ou optaram por produtos mais baratos, por dificuldades financeiras mesmo.

Com isso, dados do volume de exportação de diversos países produtores nos mostram que a mudança aconteceu, é uma realidade, e que o tipo de café arábica que mais perdeu mercado para o robusta foram os cafés naturais que não têm sabores diferenciados, o que atinge boa parte dos cafés brasileiros. Na comparação de 2012 com 2011, os cafés suaves (exceto Colômbia, que perdeu espaço) viram sua exportação passar de 26,1 milhões para 27,4 milhões de sacas. Os robustas tiveram uma explosão no comércio, que atingiu 46,6 milhões de sacas em 2012, ante 37,5 milhões em 2011. O ajuste negativo se deu nos cafés naturais brasileiros, cujas vendas se reduziram de 32,2 milhões de sacas para 30,8 milhões no ano passado. Em outras palavras, os cafés naturais finíssimos, assim como os lavados produzidos na América Central continuam a ter seu lugar cativo, principalmente entre as pessoas que tomam café expresso ou café puro preto. Já os cafés que têm bebida mais fraca, ainda que sejam arábicas, perderam market share nos blends, e muito dificilmente voltarão logo a compô-los, salvo se houver uma diminuição ou estagnação da produção do Vietnã - que paulatinamente trará maior uso para outras variedades/qualidades.

Enquanto isso, no Brasil, os produtores de arábica vêm enfrentando uma forte elevação de custos e dificuldades com a oferta de mão de obra, além de preços relativamente baixos. Com isso, do ponto de vista da produção temos um ajuste diferenciado, com as seguintes características:

1. Os produtores familiares que têm um padrão razoável de tecnologia e que dependem menos de mão de obra externa se defendem bem;

2. Os produtores com elevada produtividade, especialmente aqueles que têm colheita mecanizada, também se defendem. Entretanto, em certas regiões, a competição com os grãos ou a cana pela terra é intensa;

3. Os produtores de café de altíssima qualidade têm mercado.

Em consequência, fica espremido o produtor de café com bebidas medianas, principalmente aqueles que produzem em áreas mais acidentadas e que precisam contar com mão de obra cada vez mais escassa no campo.

Por outro lado, o grande ganhador na produção brasileira passa desapercebido por muita gente: o café conilon do Espírito Santo, que alguns pioneiros vislumbraram como alternativa, vários anos atrás. O robusta/conilon adaptou-se às condições de clima, solo e organização agrícola local. Em 2012, a produção atingiu 9 milhões de sacas no Espírito Santo, que também produz um pouco de arábica. A produtividade crescente subiu de menos de 20 sacas por hectare para 30 e, hoje, está a caminho de 60, nas áreas renovadas por espécies clonadas.

Durante esse tempo foi crescente a substituição pelo robusta por suas características: maior rendimento no solúvel, sabor neutro, preço baixo e melhora de qualidade. Os produtores mais tradicionais subestimaram o conilon, que é um grande sucesso. Hoje, o preço do conilon atinge 80% do arábica, com margens de mais de 50% em relação ao custo operacional, enquanto que a margem do café arábica pouco supera os 15%. É mesmo o grande ganhador.

P.S.: 1) As notícias recentes de quebra na safra do Vietnã, não deverão alterar o quadro apresentado, uma vez que não há evidências de alteração na tendência de médio prazo em relação à importância daquele país na oferta global de café, assim como cresce o interesse de países que produzem a variedade em aumentar plantio e reformar o parque instalado, como Indonésia, Uganda e outras origens africanas.

2) César de Castro Alves, analista de café da MB Agro, prestou-nos uma assistência valiosa.