O ano era 1932. Os Estados Unidos — e todos os países capitalistas — viviam as consequências da Grande Depressão, marcada pela quebra da bolsa de valores de Nova York três anos antes. No Brasil, a recessão chegou pela queda nas exportações de café, o principal produto do país naquela época. Por causa da crise, o preço do grão caía violentamente. Para valorizar o produto, a solução encontrada pelo governo de Getúlio Vargas foi diminuir a oferta brasileira. Assim, o governo comprou e depois queimou 18 milhões de sacas estocadas em Santos e destinadas à exportação. Mas além de todo o contexto político e econômico, 1932 também tinha outro significado para o mundo: era ano de Jogos Olímpicos.
A décima edição do maior evento esportivo do mundo iria acontecer em Los Angeles, nos Estados Unidos, e o mundo todo estava preocupado com a estrutura da Olimpíada — afinal, os Estados Unidos estavam quebrados. Além disso, a longa e cara viagem se mostrou um obstáculo para muitas nações. O jornalista Sílvio Lancellotti, autor do livro Olimpíadas – 100 Anos, conta que não houve queda significativa no número de países participantes, mas o total de atletas diminuiu de 3 mil na edição anterior dos jogos, realizada em Amsterdã (Holanda), para 1,4 mil naquele ano. Para o Brasil, a viagem para a costa leste do país norte-americano também foi um problema.
Atletas e canhões
Quebrado, o governo brasileiro embarcou seus 82 atletas em um navio, chamado Itaquicê, com 55 mil sacas de café, dois canhões e mais 270 pessoas – de técnicos e dirigentes a militares e turistas que iam de carona. Os canhões estavam lá para disfarçar o navio como militar, o que permitira que a embarcação passasse pelo Canal do Panamá sem pagar as taxas exigidas.
O navio Itaquicê, onde embarcaram os atletas brasileiros que disputaram os Jogos Olímpicos de 1932 (Foto: Acerj/Reprodução)
Entre os atletas, estava apenas uma mulher. A nadadora Maria Lenk, na época com 17 anos e que hoje dá nome ao parque aquático utilizado na Olimpíada do Rio de Janeiro. Ela foi a primeira brasileira a representar o Brasil nos Jogos Olímpicos — mas antes, teve que trabalhar muito na viagem. O percurso todo duraria um mês e, a cada parada, os atletas brasileiros tinham que se esforçar para vender as sacas de café nos portos em que atracavam. O comércio do produto era para cobrir parte das despesas da ida aos Jogos.
Segundo o livro Brasileiros Olímpicos, dos jornalistas Lédio Carmona, Jorge Luiz Rodrigues e Tiago Petrik, a animação durou pouco no navio. Na primeira parada, em Port of Spain, da colônia inglesa de Trinidad, nenhum grão foi vendido. A população da ilha era pequena e muito pobre e isso fez com que o navio chegasse com os porões cheios de café no Canal do Panamá. Mesmo com os dois canhões, as sacas de café entregaram o navio e a tripulação teve que esperar quatro dias até que o governo brasileiro enviasse o dinheiro para a taxa do canal.
Quando finalmente chegou a Los Angeles, o navio ainda carregava muito café. Pouco tinha sido vendido no caminho, e o restante seria deixado no porto de São Francisco. A falta de dinheiro fez com que apenas 67 dos 82 atletas desembarcassem, pois era preciso pagar um dólar para cada pessoa que deixasse o navio. Assim, apenas os que tinham mais chances de medalhas foram para os Jogos e o restante seguiu para o porto seguinte.
Corrida descalça
Entre os atletas que não conseguiram vender sua cota e seguiram viagem estava o corredor dos 10 mil metros Adalberto Cardoso. Inconformado em ficar fora da competição, Adalberto fugiu quando o navio ancorou em São Francisco e percorreu, em 24 horas, os mais de seiscentos quilômetros que separam as duas cidade. O trajeto foi feito a pé e por meio de caronas, de tal maneira que o atleta conseguiu chegar ao Estádio Olímpico apenas dez minutos antes do início da sua prova.
Cardoso teve tempo apenas de vestir seu uniforme e acabou por correr descalço. Completou os 10 mil metros em último lugar, tendo caído três vezes no percurso, mas foi ovacionado pelo público, que ficou sabendo de sua história ao longo da prova. Naquela edição dos Jogos, nenhum atleta brasileiro conseguiu uma medalha, mas o pior ficou para a equipe de pólo aquático, que protagonizou uma confusão ao agredir o árbitro após uma derrota contra a Alemanha.
Volta tumultuada
Como se não bastasse todos os contratempos para chegar à Olimpíada, a volta dos brasileiros também foi tumultuada. Quando o Itaquicê atracou no porto do Rio de Janeiro, na época capital do país, o Brasil vivia a Revolução Constitucionalista. A cidade estava perigosa, principalmente para os atletas paulistas, pois São Paulo tinha se levantado contra o governo Vargas.
Os 32 atletas do Estado que estavam no navio não saíram do porto, e a solução foi pegar uma carona em um cargueiro, que os deixaria em Ilhabela. Assim, começou uma nova empreitada de oito horas a pé para subir a Serra do Mar. O grupo conseguiu abrigo em um pequeno casebre à beira de estrada para passar a noite e, no dia seguinte, pegou uma carona de caminhão até Caçapava, a 117 quilômetros da capital. De lá, o grupo embarcou em um trem para São Paulo e, finalmente, a epopeia teve fim.
Fonte: Redação Globo Rural (Por Valdir Ribeiro JR com Vinícius Galera)