Dizem que um bom dia só começa depois de um café. E já faz tempo que a bebida, de origem africana, reina soberana em terras tupiniquins. O ciclo do café foi um período da história econômica do Brasil, iniciado em meados do século XIX e que acabou em 1930, no qual o café foi o principal produto da economia brasileira. As grandes fazendas, localizadas principalmente entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, no Vale do Paraíba, idealizaram os chamados barões do café e usavam mão-de-obra escrava.
A história do ciclo do café no Brasil começou no século XVIII com o contrabando de grãos da Guiana Francesa. Quem introduziu o cultivo no país foi o Francisco de Melo Palheta, um militar luso-brasileiro. Na época o Brasil era quem mais tinha café no mundo e ditava as regras do mercado internacional.
Com muito produto, acima da demanda, o Brasil não soube o que fazer com tanto café e a crise chegou. Com o início da Era Vargas vieram mudanças na economia. A mão-de-obra passou a ser de maioria de imigrantes italianos e migrantes nordestinos. A urbanização fez o café se concentrar mais entre São Paulo e Minas Gerais e depois a ascensão do conilon no Espírito Santo.
Muita coisa mudou na forma de conduzir a lavoura com a mecanização, tecnologias de produção, cultivares resistentes, adaptadas e produtivas, pesquisa, incidência de pragas e novos perfis de consumidor. Hoje o Brasil segue como o maior produtor mundial e segundo maior consumidor. Somente em 2020, o país produziu 63,1 milhões de sacas, o equivalente a 3,7 toneladas de café, incluindo o arábica e o conilon. E há produções desde Santa Catarina, passando pelo Sudeste e chegando na Amazônia.
Neste 1º de outubro, comemora-se o Dia Internacional do Café, ocasião usada para promover e celebrar o café como bebida, com eventos ocorrendo em vários lugares do mundo. A data comemora a diversidade, a qualidade e a paixão que existem no setor cafeeiro. Dá aos que amam o café a oportunidade de compartilhar seu amor pela bebida e de apoiar os milhões de cafeicultores que dependem desse produto aromático.
No Brasil, o café também representa a excelência do agronegócio. É o café brasileiro que reúne também o maior número de produtos com o registro de Indicações Geográficas (IGs), totalizando 13. Além de indicar a sua qualidade, é pelo registro que se vincula o produto a uma forma única de produção, que leva em consideração características do território, da cultura e das pessoas que o cultivam.
Atualmente, o país possui aproximadamente 300 mil estabelecimentos produtores de café, dos quais 78% são considerados da cafeicultura familiar. Tais lavouras produtoras de café, além de atender os mercados mais exigentes internos e externos, também contribuem para fortalecer aspectos econômicos, sociais e ambientais, requisitos indispensáveis para o desenvolvimento sustentável do setor. Assim, o café está presente nas cinco macrorregiões do país, em 16 estados da Federação, nos quais 1.448 municípios produzem café, o que corresponde a aproximadamente 26% dos municípios brasileiros, com a geração direta e indireta de mais de 8 milhões de empregos.
Café made in Amazônia
Das Matas de Rondônia, por exemplo, temos o café Robustas Amazônicas, resultado do cruzamento das variedades Conilon e Robusta, selecionadas ao longo dos anos pelos produtores locais, que representam a diversidade de sete etnias indígenas, agricultores familiares e quilombolas. Cultivada em 17 mil propriedades de pequena escala em 15 municípios, a produção representa mais de 90% de todo o café produzido na Amazônia. As condições climáticas e os solos da região criam condições favoráveis para um ciclo de maturação do café intermediário a tardio, o que permite imprimir sensações gustativas que reúnem dulçor e aromas achocolatados, amadeirados, frutados, picantes, herbáceos a um café encorpado.
Para representar a região de Matas de Rondônia, não basta que o café apresente essas características de qualidade. O cultivo de forma sustentável é outro ponto essencial. “Produzir café na Amazônia traz uma atenção muito grande em relação à preservação do bioma. Trabalhamos para desmistificar o crescimento da produção sem desmatar. Com o aumento das tecnologias, foi possível aproveitar áreas que já estavam abertas para incrementar a produção, mostrando ao mundo uma cafeicultura sustentável que permite uma vida digna e com renda às populações”, destaca o presidente da Associação dos Cafeicultores da Região das Matas de Rondônia (Caferon), Juan Travain., ao citar a segurança do produto a partir da rastreabilidade e a atividade de sequestro de carbono, em processo de implementação, na produção local.
O “currículo sustentável” é comprovado com dados da produção, que continuou crescente sem aumentar a área cultivada. Inclusive, diminuiu o espaço destinado ao cultivo. Em 2001, a produção de café Robustas Amazônicas ocupava cerca de 240 mil hectares na região. Atualmente, uma área de 50/60 mil hectares de cafés plantados rende uma produção que atinge 2,5 milhões de sacas do produto, exportado, em sua maioria.
Importante ressaltar que a legislação brasileira exige que todas as propriedades rurais localizadas na região Amazônica conservem, no mínimo, 80% da vegetação nativa de sua superfície. O que torna o produtor brasileiro, responsável por grande parte da preservação do bioma, sem fornecer qualquer compensação.
Ao preservar e estimular o modelo de cultivo tradicional de determinada região, o reconhecimento como IG se faz um importante aliado para a sustentabilidade, segundo a coordenadora de Indicação Geográfica de Produtos Agropecuários do Mapa, Débora Santiago.
“No caso dos cafés, comprova-se que o Brasil apresenta potencial de desenvolver as regiões produtoras, promovendo o desenvolvimento territorial sustentável de suas regiões, diferenciando-se do mercado de commodities. Os produtores podem explorar não apenas o produto final, por sua qualidade e sabores diferenciados, mas também o turismo rural ”, reforça.
Café especial
Da lavoura à xícara, o roteiro de turismo rural no Norte Pioneiro do Paraná é um exemplo. Alguns produtores da região abrem as portas de suas fazendas para mostrar aos visitantes o processo de cultivo do café, desde o passeio pela lavoura, passando pela colheita, secagem dos grãos e degustação do café especial.
As opções de roteiros são diversas e contam a história do Norte Pioneiro do Paraná como porta de entrada para a colonização de toda a região, tendo o café como a principal alavanca propulsora que abriu caminho para o progresso e o desenvolvimento econômico também do estado.
O cafeicultor Marco Antônio Cravo, da Cooperativa de Cafés Certificados e Especiais do Norte Pioneiro do Paraná (COCENPP), explica que o estado foi um dos maiores produtores de café do mundo no século passado, mas sua qualidade era questionada, tanto que a totalidade da produção era vendida como café commodity.
A região do Norte Pioneiro do Paraná é reconhecida como IG e tem parcela de seus cafés classificados como especiais, com resultados de destaque em diversos concursos, inclusive, internacionais. “A IG do Norte Pioneiro do Paraná foi uma grande conquista, trazendo ânimo e impulso para a região. Nas últimas décadas, houve uma quebra de paradigmas na qual a produção em larga escala deu preferência a um mercado menor, apostando na qualidade do produto. Assim, buscamos trazer os produtores para um pensamento único para que se aproveite ao máximo o potencial de utilização das IGs”
O empresário ainda acrescenta que a maior parte do café especial é vendida na Europa, nos Estados Unidos e no Japão e só uma pequena porcentagem fica no Paraná e no Brasil. “Ainda não temos um mercado nacional para absorver toda a nossa produção, só uma pequena parte é vendida nas nossas cafeterias e mercados”.
Por: AGROLINK -Eliza Maliszewski