Ao fim da temporada de chuvas, solos da região Centro-Sul já estão ressecados e níveis dos rios, baixos. Perspectiva de laranjeiras e cafeeiros murchos coincide com preços agrícolas nos maiores níveis dos últimos anos
No Brasil, maior exportador mundial de café, açúcar e suco de laranja, a época de chuva terminou, mas parece que não caiu uma gota.
Na região Centro-Sul, os solos estão ressecados e os níveis dos rios baixos. A estiagem é tão severa que agricultores temem ficar sem as reservas de água necessárias para irrigar as plantações durante a estação seca nos próximos meses.
Mauricio Pinheiro, de 59 de anos, começou a irrigar os pés de café arábica em março, dois meses antes do normal, depois que sua plantação de 53 hectares recebeu menos da metade da chuva necessária. Pinheiro tem usado tanta água nos cafezais que não sobra o suficiente para sua casa. Para ter água nos chuveiros e torneiras, foi preciso procurar outro poço.
“Meu reservatório de irrigação já começou a dar sinais de que está secando. Isso costuma acontecer em agosto”, disse Pinheiro, que mora em Pedregulho, na região de Alta Mogiana, São Paulo. “Estou muito preocupado com a possibilidade de ficar sem água nos próximos meses.”
A perspectiva de laranjeiras e cafeeiros murchos coincide com preços agrícolas nos maiores níveis dos últimos anos, o que reforça temores de inflação de alimentos. Os custos mais altos dos alimentos podem agravar a fome, um problema mundial que a pandemia de Covid-19 tornou mais agudo. Os contratos de café e açúcar bruto na ICE em Nova York já atingiram a maior cotação em quatro anos.
Se mesmo as áreas irrigadas não conseguirem obter água suficiente, a produção de café e laranja do Brasil pode cair pelo segundo ano consecutivo. A produção de laranja brasileira desta temporada encolheu 31% em relação à safra anterior, a maior queda em 33 anos, e o volume produzido de café arábica também caiu muito.
De janeiro a abril, o nível de chuva em várias áreas de São Paulo e Minas Gerais foi muito baixo, disse John Corbett, CEO da aWhere. As regiões mais atingidas receberam menos da metade da precipitação normal, justo quando cafeeiros precisam de umidade para o crescimento dos grãos. É também um período em que o solo armazena água para enfrentar a estação seca.
Isso se soma ao clima mais seco do que o normal em algumas áreas no ano passado, principalmente em São Paulo e no Paraná, disse Paul Markert, meteorologista da Maxar Technologies, em Maryland.
Embora um período de seca seja típico nesta época do ano no Brasil, desta vez deve durar mais do que o normal, o que aumenta a preocupação. A região Centro-Sul deve receber chuvas com mais frequência novamente entre outubro e novembro, em vez de setembro, disse Celso Oliveira, meteorologista da Somar Meteorologia.
Cerca de 30% da safra de laranja do Brasil e 15% dos campos de café arábica são irrigados.
“O nível baixo dos rios e lagos tem sido muito preocupante”, disse Regis Ricco, diretor da RR Consultoria Rural.
Francisco Sergio de Assis, cafeicultor de Monte Carmelo, município do Cerrado Mineiro, começou a irrigar os campos com um mês de antecedência e não acredita que seus reservatórios terão água suficiente se não chover até setembro.
A situação se torna crítica para os laranjais. Emerson Fachini, produtor de laranja que cultiva 45 hectares no município de Palestina, em São Paulo, disse que desde janeiro o sistema de irrigação fica ligado a maior parte do tempo.
“Os reservatórios de água estão secando, quase vazios pouco antes da estação seca”, disse por telefone Gilberto Tozatti, do GCONCI-Group Citrus Consulting. “A situação está afetando a maior parte do estado de São Paulo e também prejudica a safra da próxima temporada.”