A ferramenta indica os municípios aptos ao cultivo, data ideal para semeadura, cultivares adaptadas à região e tipo de solo
Uma das principais ferramentas de organização da produção agropecuária brasileira completa 20 anos de atividades nesta semana. Desenvolvido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), pela Embrapa e instituições de pesquisa parceiras, o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) oferece benefícios tanto aos produtores rurais como ao setor financeiro.
Do lado do produtor, houve uma redução significativa de perdas de produção decorrentes de eventos meteorológicos. Levantamento recente estima que o País evitou perdas de produtividade da ordem de R$ 3,6 bilhões anuais por causa da adoção do Zarc na concessão de crédito de custeio e de seguro aos produtores rurais.
Risco climático
A ferramenta gera calendários para as culturas que contam com zoneamento publicado, indicando os municípios aptos ao cultivo, data ideal para semeadura com baixo risco climático, cultivares adaptadas à região e tipo de solo para o cultivo. “São levados em consideração dados como precipitação, temperatura e consumo hídrico para garantir 80% de chance de êxito nas culturas analisadas”, explica o pesquisador Aryeverton Fortes de Oliveira, da Embrapa Informática Agropecuária (SP), Unidade responsável pela coordenação do Zarc na Empresa.
Atualmente esse zoneamento é feito para 44 espécies no Brasil. O presidente da Embrapa, Maurício Lopes, destaca que a tecnologia trouxe muita praticidade ao permitir que todo sistema bancário faça uma utilização mais precisa dos sistemas de crédito e seguro rural. “Hoje, o gerente do banco que recebe uma solicitação de crédito entra no sistema desenvolvido pela Embrapa e mantido pelo Mapa e pode verificar online se o agricultor está plantando no momento certo, com a variedade certa, no local indicado”, diz o presidente.
Financiamento e seguro
De acordo com o coordenador-geral de Risco Agropecuário da Secretaria de Política Agrícola do Mapa, Hugo Borges Rodrigues, dois programas de governo utilizam as informações do Zarc para o enquadramento de suas operações: o Programa de Garantia de Atividade Agropecuária (Proagro) e o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR).
“Desde 1996, para enquadrar uma operação de custeio agrícola no Proagro, é necessário que o produtor observe os indicativos do Zarc. Caso o produtor não siga esses indicativos, ele não terá acesso aos programas. Ou caso tenha acessado os programas sem observar corretamente qualquer um dos indicativos, ele não será indenizado pelo agente financeiro ou pela seguradora, no caso do PSR”, explica Borges.
Equipe da Embrapa
O primeiro Zarc, publicado em 1996, foi voltado apenas ao trigo. De lá pra cá, já foram estudadas 59 culturas e 80 sistemas de cultivo diferentes, num trabalho que envolve cerca de 80 profissionais de 21 Unidades da Embrapa. “Para gerar os dados, a Empresa realiza um levantamento sobre as exigências de cada cultura a ser examinada e as especificidades das regiões brasileiras. Os estudos e as séries históricas climáticas diárias de, no mínimo, 15 anos são contratados pelo Mapa, que elabora o calendário de plantio de cada município de acordo com o tipo de solo e a cultivar”, diz o pesquisador Aryeverton Fortes.
O chefe-geral da Embrapa Soja (PR), Jose Renato Boucas Farias, explica que o Zarc reorientou grande parte da ocupação das terras agrícolas ao definir épocas e regiões de menor risco. “O trabalho de zoneamento contribuiu imensamente para a redução das perdas por risco climático, fornecendo informações para subsidiar a tomada de decisões pelo setor produtivo”, afirma.
As recomendações do Zarc são publicadas, em forma de portarias, no Diário Oficial da União e no site do Mapa, acompanhado de dicas sobre como interpretar os dados. Os produtores ainda podem consultar gratuitamente um resumo do estudo, a lista de cultivares indicadas para cada região e a relação de municípios com os respectivos calendários de plantio.
Validação e avanços
O processo de validação do Zarc conta com seminários técnicos e reuniões de validação com consultores de empresas de planejamento, pesquisadores, produtores e representantes do Mapa e de instituições financeiras. Dessa forma, o setor produtivo pode participar do processo e dar sugestões quanto às formas de apresentação dos resultados.
Para o pesquisador Balbino Antonio Evangelista, da Embrapa Pesca e Aquicultura (TO), esse modelo tem ajudado a conscientizar cada vez mais os produtores de que, respeitando as orientações do zoneamento, é possível reduzir riscos e melhorar a produção e a renda. “Quando observamos as produções e rendimento das culturas da soja e milho, por exemplo, podemos identificar um aumento na curva de produções no ano de implementação do Zarc em dado Estado”, salienta Evangelista.
Ele acredita que infraestrutura, genética e manejo das lavouras também contribuíram para o crescimento da produção agrícola nacional. “Mas certamente uma parcela de desse aumento se deu pelo uso do Zarc e também pela liberação de crédito no momento correto para as diferentes regiões do Brasil”, conclui.
Jose Renato Boucas Farias, da Embrapa Soja, destaca ainda que o zoneamento foi um grande indutor de tecnologias, passando a fomentar e induzir a adoção de boas práticas agrícolas capazes de reduzir os riscos. “O produtor que adotasse o sistema de plantio direto, por exemplo, ganhava uma bonificação, porque estava utilizando uma tecnologia que minimizava os riscos climáticos”, avalia Farias. “Isso fez com que muitos produtores que faziam a adesão ao seguro agrícola passassem a usar, também, a tecnologia”, destaca.
O diretor técnico da Associação dos Produtores de Milho e Soja do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), Nery Ribas, também aponta o Zarc como uma ferramenta fundamental para as culturas agrícolas do Brasil. “Com o tempo, o zoneamento foi reunindo informações e, nesses 20 anos, houve muitas mudanças, especialmente em relação a culturas, ciclos e adaptações”, lembra ele, ressaltando a importância de estimular a participação do setor produtivo e da pesquisa nesse processo.
Ferramenta atualizada
Para se modernizar e aumentar a eficácia, o programa recebe periodicamente uma revisão de seus suportes tecnológicos, informações e metodologias. “No momento, o Zarc passa por um aperfeiçoamento que combina o uso de ferramentas computacionais avançadas e conhecimentos técnicos-científicos acumulados nas instituições e em publicações especializadas, nacionais e internacionais”, afirma Fortes.
Em 2015, a Embrapa concluiu a revisão das indicações de semeadura para as culturas de milho e soja e iniciou a atualização das diretrizes para culturas de milho segunda safra, trigo e cana-de-açúcar. Outras cultivares de interesse devem ser as próximas a passar por revisão, como algodão, arroz irrigado, arroz sequeiro, feijão primeira safra, feijão segunda safra, feijão terceira safra, feijão caupi, milho segunda safra, sorgo granífero, milho/braquiária, cevada irrigada, cevada sequeiro, abacaxi, banana, mandioca, café, caju, cana-de-açúcar, citros, dendê-palma de óleo e uva.
O coordenador-geral de Risco Agropecuário da Secretaria de Política Agrícola do Mapa, Hugo Borges Rodrigues, explica que um dos objetivos futuros do Zarc é aprimorar a metodologia para identificação dos riscos envolvidos na atividade agropecuária, com a incorporação de modelos que permitam a classificação mais detalhada desses riscos. “A incorporação de cenários de mudanças climáticas também vem sendo pensada, porém ainda não foi inserida na metodologia do zoneamento”, conta Borges.