O cafezinho do dia a dia está seriamente ameaçado pelas mudanças climáticas, aponta relatório divulgado recentemente pelo Climate Institute, baseado na Austrália.
O cafezinho do dia a dia está seriamente ameaçado pelas mudançasclimáticas, aponta relatório divulgado recentemente pelo Climate Institute, baseado na Austrália. Por causa do aumento das temperaturas e dos eventos climáticos extremos, a área adequada para a produção do apreciado grão deve ser reduzida em 50% até 2050 nos cerca de 70 países produtores, incluindo o Brasil, provocando a queda na qualidade e disparada nos preços. Até 2080, a previsão é que o café selvagem, importante fonte genética para os produtores, esteja extinto.
— Mais de 2,25 bilhões de copos de café são consumidos diariamente ao redor do mundo — diz John Connor, diretor executivo do Climate Institute.
De acordo com o relatório, existem evidências de que as mudanças climáticas, com temperaturas mais altas e alterações nos padrões de chuva, já estão afetando a qualidade, as pragas, as doenças e o rendimento dos campos produtores, o que coloca em risco o modo de vida de 125 milhões de pessoas que dependem diretamente do plantio do café.
O café do tipo arábica domina a produção global, respondendo por cerca de 70% do total. O problema é que a espécie é bastante sensível às mudanças de temperatura. A melhor performance acontece entre 18 e 21 graus Celsius. Acima de 23 graus Celsius, a planta cresce de forma acelerada e frutifica antes do esperado, o que danifica a qualidade do grão. E uma das características das mudanças climáticas que afetam o planeta é justamente o aumento médio das temperaturas. No México, na Guatemala e em Honduras, por exemplo, as temperaturas médias já aumentaram em um grau Celsius desde os anos 1960, e o volume médio de chuvas caiu 15%. Na Etiópia, onde as exportações do grão respondem por 33% do total do país, a temperatura média anual aumentou 1,3 grau Celsius entre 1960 e 2006.
No Brasil, aponta o relatório, “nas regiões de plantações em Minas Gerais, o número e a intensidade das ondas de calor aumentaram de forma significativa, enquanto frios extremos diminuíram”. Em 2014, uma seca atípica assolou o país, provocando forte impacto na produção.
No México, Guatemala e Honduras, por exemplo, as temperaturas médias já aumentaram em um grau Celsius desde os anos 1960, e o volume médio de chuvas caiu 15%. Em 2012/13, um fungo se espalhou pelas plantações na região, provocando a perda de 2,7 milhões de sacas, avaliadas em US$ 500 milhões. Em 2014, a seca que atingiu o Brasil, maior produtor mundial do grão, prejudicou 30% da colheita.
— Sem ação incisiva, a produção será empurrada para regiões montanhosas, onde entrará em conflito com outros usos da terra, incluindo áreas de preservação. Em 2080, o café selvagem poderá ser extinto — acredita Connor.
Apesar de reconhecer a importância das mudanças climáticas pelas quais o planeta passa, Antonio Fernando Guerra, gerente adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento do Embrapa Café, afirma que o Brasil está se preparando para os desafios. E destaca que, mesmo com a seca de 2014, o país conseguiu entregar boas safras em 2015 e 2016. Pela dimensão continental, as perdas numa região são compensadas pelo aumento da produção em outras.
— O Brasil é um país continental, com muitos microclimas à disposição — diz Guerra. — A cafeicultura está se movimentando para o Cerrado, região menos afetada pelas mudanças climáticas, com uma produção irrigada, que garante o crescimento das plantas.
Mas isso não significa que esforços não estejam sendo feitos. Fundos de pesquisa estão financiando o desenvolvimento de plantas mais resistentes à seca e pragas, que se espalham com mais facilidade em climas mais quentes. Segundo Guerra, os pés de café são extremamente resistentes, e podem sobreviver entre 30 e 40 dias sem rega. A seca pode comprometer a qualidade do grão, dependendo da época do ano, mas não a produção como um todo.
— Muito do que se fala sobre o café está em livros antigos, que não conhecem profundamente a fisiologia da planta — afirma. — Alterações na temperatura em um ou dois graus não fazem diferença para os materiais genéticos que temos. Outra vantagem é que produzimos em altitudes entre 500 e 1,5 mil metros, regiões menos suscetíveis às mudanças climáticas.
O alerta sobre as ameaças das mudanças climáticas já foi dado por companhias compradoras de grandes quantidades do grão, como Starbucks e Lavazza, assim como pela Organização Internacional do Café. Desde a década de 1960, o consumo global mais que triplicou, e continua crescendo cerca de 5% ao ano. A indústria movimenta US$ 19 bilhões anualmente.
— Os consumidores enfrentarão escassez do produto, impactos nos sabores e aromas e aumento dos preços — diz Connor.
IMPACTO MAIOR NA PRODUÇÃO
Mas a maior preocupação está no impacto sobre a vida dos produtores. Entre 80% e 90% dos cerca de 25 milhões dos cafeicultores, responsáveis pela subsistência de 125 milhões de pessoas, são pequenos produtores, menos capazes de se adaptar às mudanças no clima. Eles estão distribuídos por 70 países que formam o “cinturão do café”, a grande maioria nações pobres ou em desenvolvimento.
No Brasil, 80% dos produtores são de pequenas propriedades, mas praticamente todos estão reunidos em cooperativas, que oferecem apoio e informações para a modernização da produção. Maurício Miarelli, presidente da Cooperativas dos Cafeicultores e Agropecuaristas, vê os fenômenos climáticos como cíclicos, e diz ser possível aprender com o passado para prevenir danos futuros.
— A seca de 2014 teve um impacto gravíssimo na produção, porque aconteceu num momento delicado da planta, no processo de enchimento, que acontece em janeiro — conta Miarelli. — Só não fomos tão afetados porque a produção está muito moderna. Se fosse em 1965 (ano de outra grande seca), teríamos perdido toda a safra.
Fonte: O Globo