Cafés especiais são cada vez menos produtos de nicho, na medida em que passaram a ganhar espaço nas gôndolas dos supermercados. Mas se autointitular “gourmet” não basta para determinar a qualidade de um café, explica a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), que forma degustadores e classificadores profissionais para avaliar o grão.
“Quando nós falamos do mundo da commodity, trata-se com frequência de um classificador que faz uma avaliação física do grão ou de de um provador que é quem faz a análise sensorial da commodity”, detalha a diretora-executiva da BSCA, Vanusia Nogueira.
Segundo a Tabela Oficial Brasileira de Classificação, o café é dividido em ordem crescente de qualidade nas categorias rio zona, rio, riado, bebida dura, mole e estritamente mole. Esse selo aparece no café comercializado em sacas de 60 quilos.
Essa avaliação considera os defeitos sensoriais dos grãos. Atrapalham a experiência de degustação os chamados “verdes, pretos e ardidos”, segundo Danúsia. Os cafés com mais defeitos – rio zona, rio e riado – têm sabor fenólico.
“São mais pura banana verde ou banana passada. Muitas vezes são os cafés comprados no supermercado naquele formato que chamamos de travesseirinho. Aquele café moído, naquelas embalagens molinhas, super baratinho. Quando coloca na xícara, sobe aquele cheiro de remédio”, descreve.
Da bebida dura em diante, as falhas no produto passam a ser poucas. Mas só aqueles classificados como estritamente moles têm a chance de serem considerados especiais. Daí entra a figura do degustador. “Deixa de ser uma avaliação por defeito, para ser uma avaliação na busca por qualidades”, explica Lyvia Camargo, degustadora da BSCA.
A Associação Brasileira de Cafés Especiais costuma adotar a metodologia da SCA (Associação de Cafés Especiais da América, em tradução livre), que considera dez atributos da bebida aferidos em três amostras: nível da torra, aroma, sabor, retrogosto, acidez, corpo, uniformidade, balanço, xícara limpa, doçura.
Cada critério recebe uma nota entre zero e cem, cuja média determina a avaliação geral. Mas cada defeito encontrado subtrai 20 pontos, se for leve, ou 40, caso seja grave, do resultado final.
Vanusia Nogueira, presidente da BSCA, durante degustação (Foto: Divulgação/BSCA)
De acordo com a diretora-executiva da BSCA, os cafés que recebem mais de 80 pontos são considerados especiais, e os com 90 ou mais, especialíssimos. “Todas essas avaliações, assim como no mundo dos vinhos, não são feitas por uma única pessoa. Sempre é um grupo que faz”. Ela acrescenta: “dar mais do que 90 para um café é algo muito especial. Quando alguém considera uma bebida nota 100, vira notícia porque é realmente raro”.
Quem realiza essas avaliações são profissionais chamados q-graders, classificadores certificados, no Brasil, após um curso oferecido pela BSCA, sob a guarida do CQI (Instituto de Qualidade do Café, em tradução livre do inglês).
Como a associação utiliza métodos reconhecidos em outros países, ela afirma que os seus veredictos são considerados como padrão de qualidade no mercado externo.
Como escolher café?
O grão mais caro nem sempre é o mais saboroso, alerta Vanusia Nogueira. “As pessoas podem arcar um custo maior por um café que alguém acha especial, mas que não passou por uma avaliação correta. Isso é um desafio no mundo inteiro”, afirma.
“As avaliações de qualidade de um café acima de 80 pontos, são feitas lote a lote. Não existe, por exemplo, certificação permanente para tal fazenda. Não vale nem para toda a safra daquele lugar. Dentro de uma determinada propriedade pode haver lotes especiais e outros que vão cair, infelizmente, até no rio zona”, explica a especialista.
Segundo Vanusia, hoje existem empresas que vendem cafés especiais em larga escala. Ela cita o Café Orfeu e a linha Florada Premiada, da Três Corações, cujos pacotes de 250g podem ser encontrados em supermercados por valores em torno de R$ 20. “São grãos muito bem torrados, com períodos de vencimento bem adequados no nosso julgamento”.
Outra dica da especialista é olhar a data de validade. “Se for mais de um ano além da data de fabricação, já desconfie. Depois desse período o nível de oxidação é muito grande. Até poucos anos atrás, mais do que três ou quatro meses bastariam para oxidar muito o grão, mas hoje existem tecnologias de embalagem que conservam melhor o produto”, ela detalha.
Contudo, Vanusia destaca que apreciação do sabor do café pode ser influenciada por preferências culturais. “No Oriente Médio, gostam muito de cafés rio, mais fenólicos. Isso é característico. Outros mercados valorizam muito os grãos mais ácidos. No Brasil a preferência são por produtos mais achocolatados: muito corpo, muita doçura e chocolate”, sublinha.
Vanusia lembra ainda que a Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC) lançou, em agosto de 2020, um aplicativo de celular que permite ao consumidor consultar a qualidade do café no momento da compra. Chamada Abicafé, a ferramenta permite verificar na hora se o produto é certificado e atende os padrões exigidos de pureza e qualidade da associação, disponibilizando, inclusive, a avaliação de q-graders.
“Através da leitura do código, é possível saber todos os atributos daquele determinado café. Nos nossos selos, indicamos se o café está na marca de 80 a 84, ou de 85 a 89, ou na de 90 ou mais”, conta a especialista. A plataforma está disponível de forma gratuita nas lojas virtuais – App Store e Google Play. O uso é simples: basta abrir o aplicativo e escanear o código de barras ou o QR Code do produto para receber as informações, como o aroma, a bebida, a torra e o corpo.
Nova turma de q-graders
Declarando respeitar os protocolos sanitários, a BSCA voltou a promover cursos de formação de q-graders, que não eram ministrados desde 2019 em função da pandemia de Covid-19. “Já foram fechadas duas turmas e a terceira ainda possui vagas em aberto [para maio]”, anunciou a associação. As aulas serão realizadas na sede de Varginha (MG).
Formada como q-grader, Teresa Costa argumenta que o degustador de café está “sendo a cada dia mais procurado no mercado de trabalho, e o certificado é um pré-requisito exigido com frequência”. Ela recomenda, porém, preparação prévia a quem for se inscrever. Para Costa, o curso de seis dias foi uma das experiências mais extenuantes que enfrentou.
Lyvia Camargo, que também atua como instrutora da BSCA, conta que a taxa de aprovação para quem tenta pela primeira vez mal chega aos 50%. Nos três primeiros dias, os alunos recebem treinamentos para depois serem textados em exames baseados na metodologia da Specialty Coffee Association (SCA).
“Não é um investimento barato. E quem fica de dependência têm de pagar novamente”, previne. Para membros, a formação custa R$ 7,6 mil. Para quem não tem vínculos com a associação, sai por R$ 8.370.
Fonte: Revista Globo Rural