Para driblar a seca, eles passam quase 4 meses longe de casa e da família. Mecanização e direitos trabalhistas são os desafios dessa população.
Todos os anos milhões de pessoas viajam pelo Brasil em busca de trabalho temporário na agricultura, gente que passa meses longe de casa, em busca de renda para sustentar a família.
Só no município de Ibiraci, no sul de MinasGerais, quase 6 mil pessoas, boa parte delas da Bahia, foram atraídas para a região por causa da colheita do café, o que corresponde a quase metade do número de moradores da cidade. Os trabalhadores passam de fazenda em fazenda até o final do ciclo.
Minas Gerais é o estado que mais produz café no Brasil e precisa de muita gente para colher a safra que, neste ano, deve passar de 26 milhões de sacas. Como falta mão de obra nas áreas produtoras, o jeito é buscar trabalhadores de outras regiões do país.
E enquanto os cafezais estão carregados de grãos e cheios de vida, na Bahia o cenário no momento é da seca, que inviabiliza a produção e mantém a existência dos retirantes.
24 horas no ônibus
Cerca de 1.200 km separam o município de Vitória da Conquista, na Bahia, de Ibiraci. O trajeto de ônibus demora quase 24 horas. Para compensar a distância, os trabalhadores rurais buscam colher o máximo de sacas possível, para garantir o sustento do ano inteiro.
"O café aqui significa a vida nossa porque é o meio de buscar o dinheiro. Sem o café nós estaríamos enrolados", diz o trabalhador rural José Carlos Oliveira Barreto.
Os migrantes ficam em Minas durante toda a safra, que vai de maio até o fim de agosto. Eles vão buscar dinheiro para oferecer mais conforto para a família e quem fica vive à espera deles.
É o caso da dona de casa Jesuína Lemos Carvalho, que é mãe de Marileide, que foi para Ibiraci trabalhar na colheita do café. Ela cuida do neto na Bahia enquanto os pais da criança estão em Minas Gerais.
"É bom [ficar com a avó], eu ajudo ela, ela me ajuda. Eu estudo, quando eu chego a comida está pronta e eu só mando para dentro", brinca João Vitor Carvalho dos Santos, neto de Jesuína.
É difícil encontrar alguém na comunidade do Bate-Pé, em Vitória da Conquista, que não tenha alguma história com os campos de café. Até porque a própria região já experimentou a força econômica gerada por essa lavoura.
Na década de 1970, com o plano de renovação da cafeicultura, chegou a ser produzido bastante café no local. Em 8 anos, a produção ali aumentou mais de 1.500%, mas, no final da década de 1980, a lavoura entrou em crise.
A troca do café pela pecuária foi o movimento mais comum na região ao longo dos últimos anos.
Homem X máquina
Durante a safra brasileira, o café gera quase 2 milhões de empregos temporários. É preciso toda essa gente porque a colheita tem momento certo para acontecer, a fim de garantir a qualidade do grão.
Além disso, atualmente, cerca de 70% dos grãos de café são colhidos à mão, destoando de culturas como soja, cana e algodão, onde prevalece a colheita mecanizada.
O produtor rural Emerson Monteiro de Andrade traz gente de fora do estado para a colheita há 25 anos e explica que esse foi um jeito para lidar com a falta de mão de obra.
"Começou faltar mão de obra aqui em Ibiraci, o pessoal não dava conta da colheita. O café foi aumentando muito as áreas plantadas. Foi onde começou a vir os migrantes. Tem [emprego] para todo mundo."
Mas a mecanização está avançando. Na fazenda de Andrade, três colheitadeiras disputam o espaço com os trabalhadores. Nesta temporada, o maquinário colheu 400 dos 700 hectares da propriedade.
Nas contas do produtor, a colheita mecanizada custa um décimo da colheita manual, mas nem sempre a máquina consegue manter a qualidade do cafezal que o trabalho das mãos consegue.
Emerson Monteiro de Andrade afirma que, para ele, não é interessante ter uma colheita 100% mecanizada. Para evitar danos nos pés, ele utiliza o maquinário apenas quando a fileira tem capacidade de entregar mais de 40 sacas por hectare.
"A máquina acaba estragando um pouco a lavoura. Eu uso colher quanto está com carga [produtividade alta]", explica Andrade.
Se para o produtor rural não é viável abrir mão da colheita manual, os funcionários migrantes ainda podem contar com o dinheiro. O trabalhador rural Jorge Rocha Santos diz que a remuneração diária é quase o dobro do que ele ganhava na Bahia.
Direitos trabalhistas
Essa renda maior faz os trabalhadores descobrirem outra realidade longe de casa. José Marcos Santos Almeida afirma que as propriedades do sul de Minas Gerais garantem boas condições para os funcionários, além de respeitar os direitos trabalhistas.
"Se você se machucar na roça, você tem seus direitos", explica a trabalhadora rural Nívea Reis.
Os direitos trabalhistas no campo geram diversas opiniões entre os produtores rurais. O diretor do Sindicato Rural de Ibiraci, Geraldo Rodrigues Filho, acredita que eles são excessivos.
"Muito direito para o trabalhador e pouca obrigação. Muita coisa em cima do produtor. O fiscal [do trabalho] não vem aqui para te orientar. Eles vêm aqui para multar o produtor rural que está dando emprego. Isso aí tem atrapalhado muito", afirma o dirigente da entidade que reúne 192 agricultores do município.
Já para o cafeicultor Emerson Monteiro de Andrade, que exporta cerca de 70% da produção para a Alemanha, as obrigações trabalhistas o ajudam a vender o café a um preço melhor.
"[Os clientes] exigem muito respeito com o meio ambiente, com os funcionários... [tem que estar] registrado, certinho. No final, você acaba conseguindo uns R$ 10 a R$ 15 a mais por saca. Quanto mais certo você faz, mais recompensa você tem", explica Andrade.
A solidez nos ganhos de Emerson Monteiro de Andrade deu segurança para que o trabalhador rural Jorge de Deus Queiroz, que há 24 anos vai com a esposa Márcia Carvalho Queiroz para Ibiraci, trouxesse os filhos também para o trabalho temporário. A família comemora.
"A gente ficava triste, com saudade deles voltar. A gente cresceu, completou a idade da gente trabalhar certo, estudou, aí chegou o dia que a gente quis acompanhar eles", afirma Diogo Carvalho Queiroz, um dos dois filhos do casal.
Por Globo Rural